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Felipe Soares

A ciência: o gigante sem pés?

É notório que as ciências empíricas possuem, atualmente, uma credibilidade jamais antes vista na história, se levarmos em conta o domínio de sua aplicação, a sua imagem para o homem médio e a amplitude dos seus desenvolvimentos. Nunca se confiou tanto na ciência para a resolução dos mais variados tipos de problemas e para o alcance das bases teóricas do desenvovimento das técnicas e tecnologias. Poder-se-ia, em suma, dizer que as ciências, e sobretudo as ciências naturais e experimentais, são tidas, em geral, como as melhores formas de conhecimento, explicação e fundamento de intervenção na realidade.

 

No entanto, qualquer pessoa que se ocupe mais detida e profundamente de alguma ciência irá se deparar inevitavelmente com problemas de índole fundamental para a verdadeira compreensão e para a real garantia da validade e verdade teóricas dos pressupostos, argumentos, métodos e modelos envolvidos em sua ciência. Os alicerces teórico-científicos colocam os mais sérios problemas para a ciência, ainda que seu edifício se erga exuberante, rígido e promissor.

Como ilustração desse tema, pode-se apontar uma das principais questões envolvidas no chamado debate acerca do realismo científico. Trata-se da pergunta pelo estatuto ou pela natureza das entidades teóricas no interior das ciências. Numa tentativa de esboçar rápida e simplesmente a discussão, pode-se fazer o seguinte percurso. Termos tais como “elétron”, “anti-matéria” e “íon” são exemplos de termos teóricos que não possuem um referente observável no campo da experiência empírica científica. As coisas às quais tais termos se referem são, por isso, denominadas “entidades teóricas”. Elas desempenham papéis fundamentais nas teorias, explicações e previsões de eventos observáveis, sem, contudo, serem elas mesmas observáveis. A partir daí, surgem as questões: tais entidades existem de fato no mundo natural? Há algo no mundo que corresponda àqueles termos teóricos? Qual o estatuto de tais termos e entidades no interior e no desenvolvimento das ciências naturais?

O REALISMO
A estas perguntas há dois grandes modos de resposta, cada um deles subdividido numa série de perspectivas próprias a cada filósofo ou cientista que se ocupa do tema. Um primeiro modo pode ser esboçado da seguinte forma: sim, as entidades teóricas existem, pois, do fato de elas ainda não terem sido observadas, ou o terem sido observadas apenas de modo bastante complexo e indireto, não se pode concluir que elas não existam como o supõe a teoria. Além disso, as teses científicas são aqui entendidas como descrições da realidade do mundo. A ciência alcança e expressa a configuração da natureza tal como ela é. Para ilustrar os argumentos desta interpretação, que caracteriza a posição realista no debate, podemos citar como exemplo o “argumento do não-milagre”. O argumento afirma que seria uma enorme coincidência ou praticamente um milagre o grande êxito explicativo e preditivo das teorias científicas, recheadas de termos teóricos, se as entidades não-observáveis às quais elas se referem, de fato, não existissem.
 
O ANTI-REALISMO
Do outro lado do debate, encontra-se a postura denominada anti-realista que, numa caracterização geral, pode ser definida como aquela que nega – de algum modo ou em algum grau – a existência dessas entidades não-observáveis das teorias. Os termos teóricos passam a ser julgados, então, não segundo o critério de verdade, mas, antes, segundo o critério de adequação empírica ou de conformidade aos eventos observáveis. Nesta perspectiva, encontra-se, por exemplo, a postura instrumentalista que concebe as teorias científicas e seus termos teóricos como meros instrumentos de maior ou menor eficácia e utilidade para a manipulação e explicação de fenômenos observáveis, sem a pretensão de que as teses científicas expressem qualquer verdade acerca da natureza dos fenômenos naturais. O que importa aqui é a utilidade da teoria e a verossimilhança da explicação. Dessa perspectiva, pode-se citar como exemplo de argumento a chamada “indução pessimista”, que aponta para o fato de que a história da ciência mostra que as teorias se sucedem, os termos teóricos podem ser substituídos uns pelos outros, segundo uma melhor adequação aos eventos observados. Assim, o conhecimento científico pode ser entendido com um construto conceitual-instrumental para lidar com a natureza, construto que, ainda que se mostre eficiente na explicação e previsão de novos acontecimentos, não atinge ou expressa a configuração íntima do mundo, a verdadeira estrutura da realidade em si mesma, e justamente por isso, as teorias se sobrepõem constantemente umas sobre as outras.


O debate entre os realistas e anti-realistas não está, mais uma vez, próximo do fim, e suas subdivisões já se tornaram bastante sofisticadas e ricas em sutilezas. Como quer que seja, é fato que as ciências naturais e experimentais possuem grande sucesso e êxito prático. E, ao que parece, é isso o que importa. Em geral, vive-se mesmo no desconhecimento. (Fernando Pessoa dizia algo assim: “viver é ignorar”). Portanto, é de se esperar que a chancela do “cientificamente comprovado” ainda nos guie por longos caminhos, com sua aparente luminosidade e promissora segurança. Ainda que seja a ciência um gigante sem pés.

 

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