Menu

Felipe Soares

O homem e os animais


Por coincidência, assisti nesses últimos dias, a alguns programas de televisão que tratavam do mesmo assunto: a relação do homem com os (demais) animais. Há muito tempo, eu não tinha uma tão clara consciência acompanhada de certa indignação diante desse tema. Acompanhe-me.
 
Anda-se comentando que Sete Lagoas ganhará, em breve, um abatedouro municipal. Serão nele abatidos, provavelmente, centenas de animais por dia. E já temos outros na cidade, por exemplo, a Cosisa, o Mata Bem, muito provavelmente alguns clandestinos, etc. Mas será que nós conhecemos ou sequer imaginamos as condições em que viveram e morreram os animais comercializados na cidade? No dia-a-dia, em casa, nos bares ou mesmo nos açougues – cujas filas, nos supermercados, estão sempre maiores que as próprias filas dos caixas – nós nos lembramos de que o bife, o hamburguer ou o presunto são pedaços industrializados de animais? Creio que não nos lembramos, pelo menos não com clara consciência – assim como não nos lembramos de muitas outras coisas.

Pois bem. Qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade que veja pela primeira vez a situação em que vivem e morrem os animais que comemos se impressiona. (Assista, por exemplo, ao vídeo indicado no fim do texto). Em contrapartida, é bastante óbvio que as pessoas que lidam com o abate, diariamente ou com alguma freqüência, insensibilizam-se com o processo. Esse último fato ocorre não por vício de caráter, creio eu, mas em função de um traço humano característico: o hábito e a repetição nos mecanizam. Uma pessoa, por exemplo, que trabalha seis dias por semana fazendo a sangria ou extraindo a traquéia de uma centena de bois vivos a cada expediente pode ter sensibilidade para com essa quantidade de animais e para com cada um deles?
 
É fato que frigoríficos maiores vem prezando cada vez mais pelo bem-estar dos animais. Entretanto, há aí um absurdo. O cuidado e a atenção que se tem com o manejo do animal que será abatido é realizado, em muitos casos, com o objetivo de melhorar a qualidade do produto a ser comercializado, não com o de reduzir o sofrimento do animal por ele mesmo. Note que, para a atividade comercial, o bem-estar do animal não é um fim em si mesmo. Quando um matadouro ou as agências reguladoras do setor elaboram regras que visam a garantir o mínimo de estresse possível para
os animais que passam pelo procedimento de preparação e condução para a linha de matança, o que se visa é uma carne mais macia na prateleira, com menos marcas (do ferrão ou de choques elétricos), livre de hormônios que seriam liberados no momento de estresse animal, e assim por diante. Estamos fadados, nós e os animais, aos ditames do mercado, da economia, dos interesses do lucro? Ora, disso também  não nos lembramos o suficiente.

Também em inúmeras outras situações os animais sofrem conosco. Pense nos “Seus Zés” que trabalham como carroceiros. Eles têm, normalmente, um cavalo esquálido e mal tratado, cheio de bicheiras, carrapatos, ferraduras mal pregadas, que apanha de um chicote de couro o dia inteiro, vagando pela cidade em busca de entulho, restos de poda de árvores, etc. Quando encontram serviço, o animal é obrigado a carregar, por distâncias cada vez maiores, um peso que muitas vezes não pode suportar. Não é isso minimamente cruel? De fato, o animal não tem culpa do desemprego do “Seu Zé”.

E talvez o maior dos absurdos: as festas de rodeio. Acredito serem essas algumas das melhores caricaturas da estupidez a que o homem pode chegar. Milhares de pessoas se divertindo à custa do sofrimento do animal. Não podemos conceber tais festas como algo razoável. Imagine só tratar um animal de um determinado modo muito violento para que ele se torne igualmente violento. Quando ele atinge um certo comportamento padrão, dias antes de uma grande festa que reunirá milhares de pessoas, é submetido a grande estresse. No dia da festa, preparam-se telas de arame farpado ou trançadas com pregos que serão colocadas sob a cela do animal, cintas de couro que apertarão os seus órgãos genitais, instrumentos para dar choques no seu ânus, afiam-se as esporas e eis o delírio:
monta sobre o animal um outro animal de chapéu, que reza a Nossa Senhora Aparecida, beija um santinho e levanta o braço antes de se abrirem os portões. Nesse momento, cravam-se as esporas, disparam-se os choques e apertam-se as cintas. O animal pula e se contorce de dor enquanto milhares de expectadores fruem suas descargas de adrenalina ao som da voz ridiculamente desesperada de um locutor. Acontece até de os animais, após o espasmo dos 10 ou 15 segundos em que pulam, caírem por terra sem forças. (Os organizadores de rodeios ainda insistem em dizer que os animais não são torturados. Lembro-me de assistir a uma entrevista em que um peão dizia que a cinta de couro apertada no quarto traseiro do animal tinha a função de fazer cócegas.)

Lembremos, além disso, das clássicas touradas espanholas: todo aquele encenamento para se matar o boi aos poucos, cravando-se lanças no seu cupim. E as chamadas farras do boi, com todas as mutilações e o estresse a que se submete os animais. E os traficantes de animais que transportam filhotes de pássaros, de répteis, e outros, dentro de canos de PVC ou sacolas plásticas escondidos em carrocerias de caminhões, em malas, bagageiros... Quebram asas, furam olhos, amarram patas e bicos, embebedam-nos, para que os animais permaneçam quietos e em silêncio durante o transporte.
E as rinhas de galo em que se colocam esporas artificiais para que a luta seja mais demorada e haja mais agonia. As rinhas de pit-bull. Os cães recolhidos pela “carrocinha” e sacrificados sem cerimônia no Centro de Controle de Zoonoses. Os milhares de peixes que constantemente aparecem agonizantes e morrem por causa de esgotos lançados indevidamente nas águas. As milhares de cobaias – ratos, cães, porcos... – recebendo injeções, sofrendo mutilações, gerando aberrações por modificação genética, sendo submetidas aos mais diversos procedimentos de testes em laboratórios. Os animais de circo torturados para dançar uma  ridícula música baiana ou para saltar entre obstáculos pirotécnicos.

Adoro carne. Não pretendo tornar-me vegetariano. Tenho antipatia de quem cria cachorro ou gato como se fosse gente, comendo à mesa, dormindo na cama, lambendo a boca do dono. Gosto de pescar. Logo, este texto não é de um zoófilo vociferante. Apenas compartilho da opinião de que nada e absolutamente nada justifica os maus tratos a animais, a tortura, o sacríficio doloroso, a criação em condições cruéis, seja por motivo de ignorância, de interesse econômico ou de lazer. Pensando com universalidade, vejo o humano como um bicho que deu errado. Aonde chega o homem, chegam o mal, o absurdo, a contradição, a violência. E sua relação com os outros animais é, para mim, um sinal claro da veracidade dessa idéia. Eu gostaria muito de saber que os animais são tratados com cuidado, zelo e respeito, mediante uma relação que os saiba senscientes, que lhes preserve condições de bem-estar, que lhes confira um mínimo de dignidade por serem vivos e não coisas, que lhes pusessem longe dos nossos impulsos arbitrários de crueldades e de egoísmos insensíveis. Ainda que os comamos. Porém, no plano geral, é notório que estamos muito longe disso. Façamos alguma coisa.
 

Atenção! O filme abaixo contem imagens REAIS, que podem magoar pessoas
sensíveis, se você é sensível a imagens fortes, por favor, não veja o filme.

[youtube:

]


Notice: Undefined offset: 1 in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 18

Notice: Trying to access array offset on value of type null in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 18

Notice: Undefined offset: 1 in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 34

Notice: Trying to access array offset on value of type null in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 34

Notice: Undefined offset: 2 in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 34

Notice: Trying to access array offset on value of type null in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 34

Notice: Undefined offset: 3 in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 34

Notice: Trying to access array offset on value of type null in /var/www/setelagoas/templates/gk_news/html/pagination.php on line 34
O SeteLagoas.com.br utiliza cookies e outras tecnologias para melhorar a sua experiência!
Termos