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Franciney Carvalho

Regras de Origem: Como se tornar mais competitivo / Coluna/ Franciney Carvalho/ Comércio Exterior

Há quem diga que o comércio não só encurta a distância entre povos de diferentes regiões do mundo, como também influencia no desenvolvimento de tecnologias e na criação de forças de trabalho. À medida que o comércio mantém uma base mais sólida, as relações entre os países se mostram tão contraditórias em sua base que tornam as políticas adotadas pelos governos mais líquidas.

Foto: Reprodução/InternetFoto: Reprodução/Internet

Isso se justifica pelo princípio básico de que as relações comerciais visam, em essência, os ganhos financeiros das empresas. Uma vez que inexiste uma necessidade de mudar o princípio básico em cada nova transação. As estratégicas que cada empresa utiliza são o grande diferencial competitivo, seja pela utilização de novas tecnologias e de forças de trabalho mais especializadas, até mesmo por práticas consideradas desleais ao comércio.

Os governos, por sua vez, buscam garantir um ambiente cujas relações comerciais possam se desenvolver de forma sustentável para ambas as partes. Assim, ao mesmo tempo que acordos são assinados, leis são elaboradas, restrições são aplicáveis, benefícios são concedidos; tudo pode ser facilmente desfeito ou ajustado quer seja em resposta a uma prática desleal ao comércio ou a uma política mais protecionista, ou simplesmente para acompanhar as constantes mudanças do mercado. Isso torna as políticas adotadas por cada governo mais liquidas no sentido de estarem em constantes revisões.

Dentro da política comercial, a concessão de benefício fiscal de países desenvolvidos a países em desenvolvimento ou em virtude de acordos comerciais permite um aumento de competitividade das empresas dos países beneficiados.

O desafio que se segue é permitir que somente os segmentos estratégicos sejam de fato contemplados, sem afetar a indústria nacional. A partir desse princípio, foram criados os Regimes de Origem a fim de identificar se determinado produto possui benefícios tarifários quando importado de países ou exportado para países que o Brasil possui algum tipo de acordo, possibilitando que as empresas alinhem as políticas comerciais com as estratégicas corporativas.

Pode-se dizer que um produto beneficiado é aquele que goza ou de uma preferência tarifária (devido a um acordo comercial do qual o Brasil faça parte) ou de uma preferência não-tarifária (em virtude de uma política de defesa comercial). Nesse sentido, tais preferências podem ser aplicadas tanto nas exportações quanto nas importações brasileiras.

Suponhamos que a fabricante de vidros para uso automotivo Sete Glass, localizada em Sete Lagoas, Minas Gerais, buscando expandir seus negócios e o mix de produtos, acaba de fechar um contrato com uma empresa mexicana Universal Glass, localizada na Cidade do México, para o fornecimento de retrovisores a serem usados em uma linha especial de veículos em comemoração à Copa do Mundo de Futebol, em 2026, no México, Canadá e Estados Unidos. A fim de oferecer um produto mais competitivo, coube a equipe de comércio exterior da Sete Glass verificar se esse produto poderia beneficiar o importador mexicano, quer seja pela redução ou isenção do Imposto de Importação, como também se haveria alguma restrição às exportações/importações, assim acordado pelos países signatários.

Ao consultar o governo brasileiro, por intermédio da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), a respeito da existência de algum acordo vigente e, uma vez confirmado, se o produto estaria na lista dos itens contemplados. Constatou-se que existe um Acordo de Complementação Econômica (ACE – 55) entre o Mercosul e o México para o setor automobilístico, assim como tal produto está contemplado na Lista de Preferência Tarifárias de Exportação, quando classificado no código NALADI 7009.10.00 (Espelhos retrovisores para veículo). Da mesma forma, caso a Sete Glass precisasse importá-los para fins de reposição, por exemplo, também estariam na Lista de Preferências Tarifárias de Importação.

Em uma primeira análise, a Universal Glass poderia usufruir da redução da alíquota ad valorem de 100% quando fosse recolher o imposto de importação. No caso do México, como há um imposto único, chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o importador deixaria de recolher os 16% do imposto devido sobre o valor do bem importado.

Da mesma forma, caso a Sete Glass fosse importar os retrovisores, poderia também usufruir da redução de 100% na alíquota ad valorem do imposto de importação que, no caso do Brasil, é de 12,60% sobre o valor aduaneiro da mercadoria.

Além disso, observou-se que não se aplica nenhuma preferência não-tarifária, ou seja, inexiste a imposição de cotas tarifárias (quantidade do item que pode ser importada com uma tarifa reduzida); restrições quantitativas (quantidade acordada que cada país poderá importar); medidas antidumping, compensatórias, salvaguarda, elisão (quando o item importado prejudica a indústria local); ou outras medidas como licença de importação, barreiras técnicas etc.

Dado à conclusão da pesquisa inicial como satisfatória, a equipe de COMEX da Sete Glass precisou entender os procedimentos para tornar os retrovisores elegíveis ao ACE 55. Nesse momento, aplicaram-se as Regras de Origem, a fim de que a empresa comprovasse que os retrovisores cumpriam com todas as exigências produtivas acordadas entre o Brasil e o México e, como consequência, sendo o produto considerado como originário, usufruir da preferência tarifária do acordo.

A aplicação das Regras de Origem foi mais facilmente entendida quando utilizada a Ficha Técnica disponibilizada no acordo firmado, não impedindo que consultas à FIEMG deixassem de serem realizadas, dado o suporte técnico que a entidade oferece, além de ser autorizada pela SECEX para emissão do Certificado de Origem, seja ele digital (COD) ou em papel, a fim de atestar a origem da mercadoria. Vale destacar que o acordo Brasil-México ainda considera a utilização do certificado em papel.

O produto retrovisor interno para veículo, por ser considerado autopeça, tem como fundamento legal o Anexo II ao Apêndice II (firmado entre Brasil e México de forma bilateral) do ACE 55, tendo sua última atualização no Sétimo Protocolo Adicional ao Apêndice II. No Brasil, o ACE 55 foi internalizado pelo Decreto 4.458, de 05/11/2002. Já o Sétimo Protocolo foi internalizado pelo Decreto 10.495, de 23/09/2020. Para futuras atualizações, aconselhável consultar o governo ou a FIEMG, no caso de Minas Gerais.

Tendo o fundamento legal, partiu-se para qualificar o retrovisor como originário do país signatário, no caso o Brasil. Nesse aspecto, a Sete Glass verificou se poderia enquadrá-lo como um produto totalmente obtido, isto é, a partir de insumos não importados de terceiros países ou integralmente elaborado ou totalmente produzido, ou seja, aqueles que são elaborados a partir de um produto totalmente obtido. Logo, não se aplicava, pois havia insumo de terceiro país.

Em seguida, constatou-se que o espelho retrovisor é fabricado utilizando-se de materiais não originários. Para isso, dado que os insumos e partes utilizados na fabricação deram uma nova entidade ao produto final: o retrovisor. Essa transformação substancial foi utilizada como critério para qualificar a origem do produto, observando um dos três critérios: salto tarifário, valor do conteúdo regional e/ou requisitos produtivos.

A qualificação da origem foi amparada pela Declaração do Processo Produtivo (DPP) e pela Fatura Comercial de Venda, uma vez que, por meio da DPP, a Sete Glass forneceria todas as informações técnicas, da origem de cada insumo e do processo produtivo, assim como na fatura constaria o preço de venda do retrovisor.

Dado que o processo produtivo do retrovisor foi realizado integralmente no Brasil, houve a necessidade de organizar os insumos e partes de origem nacional e os de origem estrangeira, para que a Sete Glass conseguisse verificar se os requisitos para qualificação de origem foram atendidos. Caso sim, solicitaria, posteriormente, apreciação à FIEMG da documentação comprobatória para fins de emissão do Certificado de Origem.

Dessa maneira, foram considerados como Nacionais: Vidro Eletrocrômico de Espelho Emoldurado com suporte (NCM 7009.92.00), Sensores Fotodiodos (NCM 8541.40.25), Fios e Cabos (NCM 8544.49.00); como Originários de Terceiros Países (China): Microprocessador (NCM 8542.31.90).

Uma vez apresentados os elementos demonstrativos para o produto, analisou os três critérios para sua qualificação. O primeiro tratava do Salto Tarifário, ou seja, verificou se houve mudança na classificação fiscal (NCM) do produto final (Retrovisor NCM 7009.10.00) em relação ao item não-originário (Microprocessador NCM 8542.31.90). Observou-se o salto tarifário na posição 8542 (Microprocessador) para 7009 (Retrovisor), dando ao item não-originário uma nova individualidade. Essa transformação substancial daria ao retrovisor a condição de mercadoria originaria.

No entanto, mesmo sendo possível qualificar o retrovisor, numa primeira análise, como originário do Brasil, mesmo contendo um item não-originário. Fez-se necessário verificar o segundo critério que se refere ao Valor do Conteúdo Regional, isto é, identificar qual a participação, em porcentagem, dos materiais originários no valor agregado do produto final.

Considerando que no Artigo 4º, do Sétimo Protocolo Adicional ao Apêndice II, foi apresentada a aplicação da fórmula do Índice de Conteúdo Regional (ICR). Logo, o produto seria considerado originário se cumprisse um ICR de 40%, ou seja, a participação dos materiais não-originários não poderia ser superior a 40% em relação ao valor final do bem. Aplicou-se, portanto, a seguinte fórmula: ICR = (Valor dos materiais originários) x 100 / Valor do Bem.

Dado que o valor do retrovisor foi de USD 50, sendo USD 41 de item nacional e USD 9 da China, aplicou-se o seguinte: ICR = (41) x 100 / 50 = 82%, ou seja, 18% seria o material não-originário. Dessa maneira, numa segunda análise, a empresa Sete Glass cumpriria também o requisito da regra de origem, já que o ICR para o item não-originário ficou abaixo dos 40%.

Partiu-se para o terceiro critério para qualificação do retrovisor como originário que foi o Requisito Técnico/Produtivo, a fim de constatar se foram aplicados, caso exigido pelo acordo, determinados processos produtivos, executados no Brasil. Observou que o referido acordo não fazia nenhuma exigência produtiva para o referido item, mesmo estando detalhado na Declaração de Processo Produtivo.

Com base nos três critérios analisados e, levando em consideração o exposto no acordo, optou-se pela aplicação do critério do Índice de Conteúdo Regional – ICR. Dado isso, a FIEMG fez as devidas análises e considerações para então emitir o Certificado de Origem.

Diante o exemplo mencionado, meramente ilustrativo, fica-nos claro que as empresas que buscam oferecer um produto mais competitivo no exterior possuem diversas ferramentas e benefícios. O desafio é usá-los de forma adequada em cada operação. Espero que empresas e governos estejam sempre em sinergia, de modo que a informação esteja disponível para todos os operadores. Por fim e não menos importante, somente a FIEMG, no caso de Minas Gerais, poderá emitir o Certificado de Origem, baseado nas informações contidas na DDP e Fatura. Logo, cabe ao exportador ser o mais honesto nas informações apresentadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Com Franciney Carvalho

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